terça-feira, 24 de maio de 2011

Mercadoria que ladra


Encontramo-nos neste momento no estágio do exagero da causa animal. Como em qualquer periodo pós-consciencialização, há uma tendência natural para recuperar o tempo perdido todo de uma só vez, cometendo grandes exageros na ilusão de que estamos compensar pelo que sempre devia ter sido feito e não foi. É normal que assim seja, faz parte da euforia da consciência. Foi assim com o 25 de Abril, foi assim com a emancipação da mulher e com todos os outros movimentos de libertação. É natural que após um período de opressão, desrespeito, maus-tratos ou negligência numa primeira instância tendamos a ir lá cima... Para depois descer um pouco e estabilizar.
Imaginemos por exemplo um casal que durante anos se privou mutuamente de uma vida social. Imaginem agora que esse casal ao fim de uns anos se divorcia. Durante os primeiros meses vão "viver tudo". Vão fazer tudo e experimentar tudo o que andaram a desperdiçar. Passada essa fase e cometidos todos os exageros, estabilizam num nível aceitável e consciente.
O mesmo está a acontecer neste momento com os animais. Não sou da opinião que um animal deva ser tratado como uma criança. Não acho que deva ser excessivamente mimado, que se compre roupinhas e bibelôs, "brinquedinhos" e "acessóriozinhos".  Não acho que se deva privar o cão ou ao gato da sua condição de animal para o humanizar de modo a satisfazer os nossos caprichos. Não acho que se deva confundir necessidades. Um animal não tem necessidades humanas assim como nós não temos necessidades animalescas (bom, ás vezes temos). Não acho que se deva exagerar!
Mas também não acho que, contrariamente a esta tendência de respeitar exageradamente o "animal" se olhe para ele como mercadoria. Mercadoria que ladra, mia ou zurra.
Como em todos os assuntos que dividem aos extremos as opiniões, os animais e seu tratamento dividem-nos em três grandes grupos.
O mais pequeno, que se encontra no meio-termo. Entende o animal como um animal, com sentimentos e necessidades, capaz de amar e sentir dor. Merecedor de respeito e cuja integridade na impossibilidade de ser defendida, pelo menos não deve ser ameaçada.
Um outro grupo, desta feita extremista, "a defesa". Um animal é uma criança que não fala, é um vidrinho de cheiro, deve ser defendido com a própria vida, e mantido num pedestal. Não se deve em altura alguma repreender pois é um animal e não entende que fez mal, coitadinho. Normalmente este grupo tende a submeter-se ao animal, confundindo as posições de dono e de cão, gato, iguana, etc. Este grupo vive na tal dimensão do exagero, no tal momento de remorsos sociais. Como que se sentissem culpados pelo que os seus semelhantes fizeram aos animais durante anos e são levados a condensar todo o amor e carinho que devia ser distribuído por todos os animais, no ou nos que estão ao seu alcance. Quando os animais que estão ao seu alcance se resumem a um, o resultado é catastrófico.
O terceiro grupo, quanto a mim o que realmente é preocupante, pertence ao dominio do homo-sapiens. Pertence ao passado, ao critério do individualismo em relação aos sentimentos de pessoas, animais e sociedade em geral.
Este grupo, como diz uma pessoa que conheci recentemente, "ainda não está ligado". Ainda não percebeu que pertence a algo bem maior que ele. Ainda não percebeu que a vida não se pode resumir a viver um dia atrás do outro. A vida não é um ciclo - dorme, acorda, trabalha, bebe um copo, dorme...É o individuo que não sente a necessidade de respeitar, não sente a necessidade de se imaginar no lugar do outro, a necessidade de compreender a dôr, a angústia e a tristeza provocadas por si. É o individuo que vê os animais como mercadoria que respira. Para ele, um cão é apenas um animal. Um animal não sente dôr, e se sente, que se fôda... Para ele um animal é dinheiro. Para ele um animal estar fechado num espaço em que não se consegue pôr de pé é natural, afinal é só um animal. Para ele um animal é um bem. Uma coisa como de resto é denominado na lei. Um brinquedo para os putos. Uma moda. Um objecto que se mexe.
Talvez seja um ser, admite, mas que não tem alma, que é passível de andar de mão em mão como as pombinhas da Catrina.
Um animal quando chega a um lar por adopção ou compra de um individuo deste grupo já vai à experiência, se ao cabo de dois meses tiver ladrado, crescido, cagado, mordiscado ou tornado um empecilho por alturas das férias de Verão torna-se inconveniente e com a mesma naturalidade com que se livram de um objecto qualquer, livram-se do animal não perdendo um segundo de sono à sua conta.
Ao contrário do que se possa pensar, este grupo não tem apenas membros "veteranos". Não.
Conta com membros "sénior", "junior" e "infantil", e é com estes dois últimos que nos devemos preocupar.
As crianças são o nosso futuro. Penso que ninguém terá dúvidas em relação a isso. Mas há que cuidar que ainda que mais inteligentes que nós, o princípio do seu pensamento reside nos ensinamentos que lhes vamos passando. Alguns, mais afoitos e expeditos, recusam-se a "pensar em rebanho" e tomam as rédeas do seu próprio pensamento e razão. Não são tantos como seria desejável, assim, compete-nos a nós (escalão sénior) passar bons princípios aos petizes.

Um animal sente. Um animal ama. Um animal não tem como se defender de um mundo que foi criado por nós repleto de armadilhas para as quais não estão preparados. Precisam de ser protegidos e tratados como animais. Com toda a dignidade e integridade que isso implica.
Sem exageros. Sem comparações parvas a crianças. Sem extremismos. Sem confusões.
Um animal é um ser, não é uma mercadoria nem uma pessoa. Ama e odeia. Sente dor e prazer.
Goza de uma capacidade inata de nos fazer felizes e quando deixamos, usam-na.
Assim, não é mais do que a nossa obrigação retribuir da melhor forma que em consciência nos for humanamente possível!

1 comentário:

Nuno Feliz disse...

Cada vez mais me interrogo.

Afinal quem é o animal... Irracional?