terça-feira, 8 de maio de 2012

"Sem cartões, promoções ou outras complicações..."


Tomás acordou e dirigiu-se à proa do barco. Olhando para o mar de onde tirava sob uma pesada pena de solidão e saudade, o sustento para a sua família e a família dos seus colegas, pensava no que faria da vida agora que nem o mar conseguia fazer frente às exigências que lhe eram impostas no mercado de venda.
Pensava se tinha sido uma boa aposta o salto que havia dado da venda de pequeno retalho para as grandes superficies comerciais. Sabia que não. Por mais que se tentasse convencer que tinha sido a decisão mais acertada sabia que tinha condenado a sua embarcação à ruína, à fome e à miséria que na pele de cada um dos seus tripulantes se havia alastrado como uma pesta a cada uma das suas casas, a cada uma das suas famílias.
O seu coração estava destroçado. Sentia um nó na garganta e uma vontade imensa de chorar. Sentia o seu corpo revoltar-se contra si num enfraquecer desenfreado que lhe entorpecia os membros e toldava a visão. A cada segundo sentia a sua força e determinação abandonarem o seu corpo e a sua mente. A mesma força e determinação que à trinta anos o haviam impelido a rasgar o mar como que um rei saindo à conquista.
Agora sentia-se à mercê da vida, que madrasta lhe pregava esta rasteira da qual sabia que não tinha como se levantar. Era o fim anunciado.

Deu um passo em frente. Olhou para o oceano que lá em baixo o chamava. Tirou da bolso de trás um papel velho e amarrotado, uma fotografia das crianças tirada há dois anos por alturas do Natal. As lágrimas caíram sobre a imagem como pingos de chuva.
Na lembrança levaria aquelas palavras que o haviam atraiçoado e condenado para sempre: "Sem cartões, promoções ou outras complicações..." Como podia ter sido tão ingénuo?
Fechou os olhos, encostou o velho papel ao peito e saltou. Gastando uma última réstia de humor ou por uma vontade de não partir como um covarde gritou "Jerónimoooo!!!"

No preciso momento em que se viu engolido pelas água, acordou.
Olhou para o lado e lá estava, na sua mesa de cabeceira, a proposta de fornecimento que havia recebido de um grande grupo económico nacional dias antes de sair para o mar e que adormecera a ler. Pegou no papel, levantou-se e dirigiu-se à proa do barco.
Rasgou o documento em mil pedaços e sorrindo lançou-os como cinzas ao mar!

É capaz de ter a ver...

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