quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Relação estável


Com o passar do tempo, Ângelo via os amigos a casar, ter filhos, um cão e uma casa com vedação branca. Um a um, todos eles iam abandonando "a vida" para se entregar à estagnação social - dizia em modo de brincadeira, ainda que todos saibamos que a brincar, a brincar é que o macaco f*deu a mãe.
Era o último. "Tha last man standing".
Isso mesmo, estava na realidade sozinho como de resto sempre esteve ainda que se convencesse continuamente do contrário. A máscara finalmente caiu. Não valia a pena continuar a alimentar a mentira. As noites de bon vivant já há muito haviam perdido o encanto, haviam-se tornado aborrecidas e francamente vazias. Desculpas como "não estou preparado para um compromisso" e "não fui feito para assentar" estavam mais esfarrapadas que os joelhos de uma prostituta de rua por alturas do fim do mês.

Queria. Ansiava. Sentia uma necessidade terrível de ter uma relação estável com uma mulher.
Encontrou-a passados poucos dias. Esta era "a tal". Aquela cujo Todo-poderoso havia criado para que um dia caminhasse a seu lado na estrada da felicidade, completando-o.
Namoraram durante dois meses, nem mais um dia, nem mais uma hora. Sentia-se tão feliz e convicto que resolveu assumir a relação convidando-a a partilhar consigo o seu apartamento na baixa da cidade. Fizeram a mudança no dia seguinte.

Quando chegou a casa do trabalho ao fim do primeiro dia, a disposição dos móveis tinha mudado. A bicicleta estava na varanda (vaca). Sobre os móveis da sala viviam agora naperons e jarras com flores frescas. Passepartouts haviam brotado por toda a casa como cogumelos venenosos. As suas camisas Victor Emmanuel que tratava com tanto carinho e esmero, estavam agora amorfanhadas numa gaveta junto com meias, calças de vinco e camisolas de algodão. "Teve que ser, para ganhar espaço no roupeiro". A cerveja que estava no frigorífico desapareceu e em seu lugar surgiram vegetais, iogurtes para regular o intestino, uma amalgama de "coisas magras" e vernizes das unhas de todas as cores. No lavatório da casa de banho surgiu do nada um exército de amostras de perfumes tornando-o numa espécie de Lilliput e a televisão que tantas vezes quase lhe fizera saltar o coração do peito durante os jogos do Benfica, transmitia agora as "As tardes da Júlia".

Não tinha ainda pousado a mala quando ela se aproximou de cara fechada perguntando:
- "Onde andaste? Foste para a gandaia com os teus amigos, não foi?"
- "Eu não sou tua empregada!"
- Tu tens uma galdéria lá fora que eu sei. Foste assim a vida toda, a tua mãe bem que me avisou!"

Queria uma relação estável com uma mulher e o melhor que conseguiu foi uma ralação com uma mulher instável... Foda-se!!!

P.S. Ângelo não desistiu, já estava habituado às desilusões, afinal de contas era Benfiquista...

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