quarta-feira, 19 de março de 2014

Isto não é uma mensagem do Dia do Pai



A cada dia que passa se reforça mais a sensação de que quem um dia tropeçou na língua e por equívoco chamou o Facebook de Fakebook, não estaria tão errado ou inocente quanto quis fazer parecer.
Na Era Facebookiana é maravilhosamente fácil de iludir o próximo.
As relações são perfeitas e só passam a perfeitas ralações no "aconchego" das quatro paredes do lar quando o Sr. Amílcar e sua Senhora se encontram "Tête-à-tête" longe dos olhares alheios.

Se olharmos com atenção para os últimos 20 anos, contrariando as estatísticas e análises dos profissionais, nós não evoluímos a pon-ta de um pin-cha-ve-lho!
Pelo contrário, acho que regredimos. Talvez por isso a necessidade de criar e tornar "friendly-user" as tecnologias como os computadores e telemóveis e permitindo assim que individuos como nós os consigam usar.

Recordo-me perfeitamente de quando no tempo em que ainda era um puto ranhoso, um vizinho comprar um videogravador e se tornar de imediato por um lado alvo de desdém e por outro, referência a ultrapassar comprando um artigo ainda mais caro a prestações, porque dinheiro era coisa que não havia.
A cobiça estava de tal modo enraízada que passava de geração em geração como uma herança envenenada.
Nós, os petizes, rogavamos pragas, insultavamos, gozavamos e marcavamos para toda a vida o filho de uma meretriz que tivesse uma bicicleta nova ou um Spectrum X2.
Uma vez estive perto de me tornar um desses alvos, quando aos quinze anos me deram a escolher como prenda por um ano escolar brilhante, uma bicicleta ou um commodore 64. Suponho que me deva dar por feliz pois o tempo foi passando, a compra foi sendo adiada, o assunto esquecido e no fim de contas nunca cheguei a ver a bicicleta ou o computador. No entanto nem tudo se perdeu, salvou-se a minha vida social.
E a verdade é que passados todos estes anos ainda que de forma mais moderna, nós continuamos a cobiçar a felicidade alheia e a patrocinar verdadeiras competições, desta feita on-line, para apurar quem é afinal de contas o mais feliz.

Por esta altura devem estar a perguntar: Mas o que é que isto tem a ver com o Facebook e o Dia do Pai? Tudo e quase nada!
Tem tudo a ver com o Facebook e quase nada a ver com o Dia do Pai. Do mesmo modo que há vinte e tal anos se queria porque queria fazer parecer, hoje em dia com toda a pompa se pintam paisagens lindíssimas na rede, escondidas pelo acordo do "eu não conto se tu não contares" outrora selado a cuspo, hábito que felizmente se perdeu.
A grande diferença trazida por vinte anos de evo-regressão é que alargamos o espectro da inveja dos bens materiais aos afectos, ao sucesso matrimonial, familiar e social, subindo inconscientemente a fasquia da mesquinhês. Já não nos chega os outros saberem que temos. Agora precisamos que os outros saibam que somos:
E somos o quê? Mimosos, atenciosos, os melhores pais do mundo, os melhores maridos, os mais felizes do mundo! Não interessa se somos muito ou pouco, apenas que os outros pensem que somos.
A cada vez que vejo na rede um post carinhosamente forçado de "amo-te muito, és isto e aquilo de bom, não sei viver sem coiso" Soa-me tanto a "amo-te muito, és isto e aquilo de bom, não sei viver sem coiso... Ouviram todos???" e fico sempre a tentar adivinhar o desfecho do dia em que os visados se encontram olhos nos olhos, dente no dente.
O conceito das demostrações públicas de afecto não é novo. Quem não conhece alguém que não larga o mais-que-tudo nas festas cobrindo-o de beijos e carinhos quando na realidade estão mais afastados que os joelhos da Érica da casa dos segredos ao sábado à noite? Ou alguém que beija a sua cara-metade e volta e meia lá abre um olhito para se certificar que são vistos?
Todos nós conhecemos alguém assim.

E agora pergunto eu:
Mas que merda é esta afinal? Que diz isto de mim?
Diz que se não escrever no facebook o quanto amo a minha filha sou um pai que devia estar sob o olho atento da assistência social?
Diz que se não andar aos amassos na rua com a minha mais-que-tudo não sou um bom marido?
Diz que se não escrever no facebook que amo muito os meus pais devia ser deserdado?
Não. Diz apenas que, como antigamente, gosto de demonstrar o meu amor pelos meus perante quem precisa de o saber, eles!
Diz que guardo para mim e os meus as demonstrações de afecto e que não preciso de o anunciar aos quatro ventos cibernéticos para que todos saibam do tamanho da minha felicidade.
Diz que me estou pouco ralando se o nível de sucesso do meu casamento é do agrado das pessoas em geral.
Diz que o que é privado é privado, e o que é público é público. Sem confusões.

Eu sei da existência de uma pressão social crescente como uma voz que nos melga ao ouvido: "Escreve que amas os teus pais", "Escreve que a tua Senhora é a mulher da tua vida", "Escreve que a achas linda", "Escreve que és amigo dos animais", "Escreve que eras capaz de morrer pela tua filha", "Escreve, escreve, escreve, és o único que não escreve, camandro!!!" como se o acto de não pôr os sentimentos à varanda sujeitos à apreciação de todos, fizesse de nós tipos insensíveis e desmerecedores do amor que nos dão.

Perdoem-me ainda ainda ser do outro tempo. Perdoem ser do tipo de pai a quem num dia como o de hoje e em todos os outros do ano apenas interessa um beijo da minha pequena logo quando chegar a casa e que não tem que ser à janela.

Usamos as redes sociais para esconder a nossa própria preguiça. Tentamos que se despache as "obrigações" através da rede pensando que ninguém nota a diferença. Talvez seja verdade, até um dia. Não quero com isto dizer que não haja pessoas que sejam naturalmente mimosas ou que o mundo inteiro se dá mal e quer fazer parecer que se dá bem, mas também não me revejo nesta necessidade de manifestar afectos na praça.

P.S. Feliz dia do Pai!





1 comentário:

Sofia disse...

Pior que isso só mesmo aqueles brilhantes post's que dizem "esta pessoa aqui ama o seu filho" ou melhor ainda "Se achas que ter filhos é a maior benção de deus partilha"...... OH well.... mas se calhar também fui mordida pelo mesmo mosquito que tu :)