Artigo de Miguel Gaspar referente aos casos Pêpa e Zico. E como o caso Pêpa está do lado que durmo melhor, a resposta refere-se apenas ao que é realmente sério.
Caro Miguel Gaspar, permita-me que use da mesma certeza e arrogância que usou ao elaborar o seu artigo, nesta resposta. Bem sei que acha ser um profundo conhecedor da condição humana e animal e que será um predestinado pensador daqueles cuja História fala na Wickipédia, no entanto, o caso "Zico" não é um caso
que esteja em toda a sua sapiência e inquestionável capacidade analítica, habilitado a comentar.
Não me leve a mal,
apenas o seu conhecimento acerca de comportamento canino não lhe permite escrever em consciência uma linha que seja
acerca deste assunto.
Imagine lá o Miguel que neste momento eu me lembrava de dissertar
acerca da Monarquia. Como qualquer Português tenho uma opinião hiper-fundamentada acerca da Família
Real Portuguesa e da necessidade premente de lhes arranjar colocação nas obras, no
entanto por nada perceber de Monarquia ou política em geral, abstenho-me de
comentar salvaguardando inclusivé a hipótese de levar um grande banho Monarco-cultural.
No fundo, assim como eu para falar de D. Duarte ou Dna. Isabelinha, o Miguel para falar de cães na óptica a que se propõe, precisava de passar muitas horas a
treinar, conviver e alimentar cães de várias raças, potencialmente perigosas ou
não. Precisava de ler acerca do assunto, assistir a seminários e ainda assim estava
(como eu) muito aquém na conversa. As suas palavras são prova disso mesmo. Não são
diferentes das palavras que cospem os eloquentes oradores de qualquer
conversê de tasco. "Rotweillers, pitbulls e os outros do focinho achatado são cães perigosos!" Assunto
encerrado, não é? Não, não é! E vou dar-lhe uma pequena explicação apenas
porque o silêncio deixa-lo-ia em estado de ignorância a um nível canino.
Nunca ninguém disse que o Zico não tem culpa, não é isso que está em discussão. A ser verdade o que se diz, o Zico tem
culpa claro, mas não se pode condenar o cão e como de costume, os verdadeiros culpados
continuam por aí como se nada tivessem a ver com o assunto. E mesmo a suporta culpa do Zico é questionável, senão repare:
Os resultados da autópsia ninguém conhece. Os que defendem o Zico afirmam que não apresenta marcas de mordedura. Os que o atacam juram por Deus que no relatório confirma as mesmas mordeduras. Ora se apenas a polícia e quem de direito conhece a verdade acerca deste assunto, se calhar vamos esquecê-lo e concentrar-mo-nos nos factos. É um facto que os familiares da criança e responsáveis pelo Zico são peremptórios em afirmar que o menino entrou na cozinha que estava fechada e ás escuras, tropeçou no cão e este o mordeu. Penso que até aqui estamos de acordo. Ora a ser verdade e se apenas estavam na cozinha o Zico e o Dinis e a cozinha estava ás escuras, como podem então os familiares fundamentar esta afirmação? Se realmente alguém pode em verdade afirmar que foi isto o real sucedido, então esse alguém estava na cozinha na altura do ataque e sabe mais do que diz. Mas repare que isto é apenas uma pequena análise e que se deve apenas a quem de direito. Polícia, investigadores outros que tais. Apenas a mencionei para lhe mostrar que com tanta capacidade analítica, o Miguel não foi capaz de pensar em algo tão simples. A mim, cumpre-me apenas explicar-lhe a intenção das pessoas que defendem o animal.
O que essas pessoas defendem acima de tudo é que se responsabilize os grandes culpados. É essa a grande luta das pessoas que
provavelmente vê como maluquinhos e doentes por animais ao ponto de terem a
visão tão turva que defendem um assassino. A preocupação destas pessoas reside em garantir que
uma raça igual a todas as outras, e sim pode anotar que fui eu que disse, igual a todas as outras,
seja tratada com dignidade e com respeito. Diga-me lá o Miguel, olhando para o cão que nitidamente
não pesa mais que 20kg quando o peso normal para um pitbull adulto ronda os
35 a 40, acha que este cão tem sido bem tratado e alimentado? Acha que um cão
que é mantido ora numa varanda, ora numa cozinha ás escuras sem os mínimos cuidados, atenção e exercício que necessita não é legítimamente uma bomba-relógio? Acha que se fosse um caniche era
diferente em alguma medida?
É este raciocínio que falta à sociedade e ao Miguel enquanto "colunista"
na analise destes ataques e que "os maluquinhos por animais" se dão
ao cuidado de elaborar e sabe porquê? Porque se preocupam. Porque um cão não é apenas um cão. Porque o abate de um cão é o abate de uma vida. De um ser que ama, que sofre e que sente medo. Tal e qual como nós.
Colocando a hipotese de ter sido o Zico de facto atacou o menino (é uma possibilidade real), coloco-lhe as coisas ao contrário, talvez seja mais fácil de entender. Se fosse O Miguel a
ser tratado durante anos como este cão foi e relembro, sub-nutrido, aprisionado
e sem condições ora numa varanda, ora numa cozinha, nitidamente agredido pela postura que assume quando um
ser-humano se aproxima, como reagiria o Miguel se tivesse fechado ás escuras e do nada
algo ou alguém lhe caísse em cima? Pedia imensa desculpas e oferecia um
cafézinho que a máquina ainda está quente? O Miguel com toda a sua inteligência (comparativamente a um cão), e com todas as possibilidades de agir racionalmente (coisa que um cão não pode), que faria?
Não precisa de dizer, eu sei a resposta. Agiría com diplomacia e de forma éticamente irrepreensível, certo?
A população em geral opina com tanto conhecimento de causa e arrogância que neste momento qualquer pessoa que olhe para um animal
com a dignidade que nos merece se sente ela própria, uma bomba-relógio desejosa de explodir quando
o assunto é cães em geral e cão potencialmente perigoso em particular. A perseguição aos cães rotulados de
potencialmente perigosos e que a sociedade vê como assumidamente perigosos, é já antiga demais e quem lida ou lidou com cães está a
ficar com o pavio demasiado curto e nervoso.
Os cães TODOS têm predestinação
para morder fique o meu amigo a saber. Fiz desabar o seu mundo, não? Faz parte da sua natureza e compete ao
dono educa-lo, eliminando os aspectos negativos que lhes são inatos enquanto cão.
Propensão à mordida, espírito dominador, etc... Os
Pitbulls e os outros cães "da lista" apenas são mais perigosos que os demais não
porque tenham alguma predestinação especial para morder, muito menos instinto de matança e
trucidação, mas pela sua elevada força mandibular e corporal.
Agora pergunto-lhe eu: Acha justo alguém
ser condenado sem defesa possível apenas porque é mais forte que os
demais? Então e a reabilitação? Não diga agora o Miguel que é impossível reabilitar este cão ou colocará em causa o trabalho de todos os treinadores e centros de treino canino do país. Agravando a má sorte destas raças, os fedelhos
ranhosos de bairro de lata sedentos de afirmação por todos os motivos errados,
acham que é "cool" ter um pitbull "dangeroso" como dizem
naquela linguagem desgrenhada. É "fixe" ter um cão perigoso em quem
batemos e ainda assim tem medo de nós. É másculo e as garotas "curtem".
E no final o que acontece? O único culpado é o cão porque é de raça
potencialmente perigosa. Era o mesmo que condenar os homens-bomba e ter deixado livre o
finado Bin Ladden. O mesmo que prender e concentrar as atenções no drogado e
deixar livre o traficante, o mesmo que condenar o funcionário das finanças e
manter no poder Pedro Passos Coelho.
É essa a grande premissa que continuará sem resposta por
muitos anos. É esse o mote para as conversas dos maluquinhos por animais, é
esse o motivo dos textos que se lêem pela internet fora feitos de coração por
quem vive, convive e se importa com os animais. É essa a luta de quem quer ver
a culpa deixar de morrer solteira no lombo de um cão assassino, porque assim o
ensinaram consciente ou inconscientemente. É essa a luta de quem entende que
não podemos pedir a um animal que reaja de forma diferente daquela que nós
próprios reagiríamos em condições semelhantes. É essa a luta de quem os
respeita e os defenderá até ao dia em que sejam tratados com respeito e
dignidade. Nem mais nem menos do que merecem. Pelo amor, pela dedicação, por
tudo o que nos dão e que nenhum de nós está à altura de perceber. Somos
demasiados fétidos, demasiados maliciosos e ainda assim, temos a distinta lata de achar que somos superiores!